Um casal em crise conjugal buscava amparo após um luto sem explicação. Arrasados e sem entendimento, tentavam faróis em centros espiritualizados localizados próximos à universidade em que a esposa dava aulas. Enquanto a mulher sólida pulava de centro em centro, o marido buscava refúgio em lojas de roupas do bairro.
Principalmente nas de roupas íntimas. Entrava, olhava os atendentes, buscava uma arara e permanecia nela durante horas; vagarosamente mexendo nas peças. Uma descarga de adrenalina no marido amanhecia explosões caso avistasse um panfleto da loja jogado ao chão ou em cima de algum aparato de costume. Em sede alcançava o papel e procurava a mesma modelo ruiva que há meses olhava dentro de seus olhos, enquanto acertava a posição do sutiã nos seios revelando entremeios das aureolas borradas como se censuradas. Ela, ruiva em caracóis, disfarçando um sorriso para que os empregadores jamais soubessem do flerte entre os dois.
Após outra hora e meia de sedução impressa, vai ao encontro da esposa em uma das casas de amparo espiritual encontrada esse semana. Em ódio, inicia uma briga com ela por conta de um grafite no muro de entrada do lugar, do tamanho de um prédio comercial da Rua Faria Lima. Nas pastilhas a pintura tectônica é lar de cor por do sol apocalíptico em um laranja fornalha. Um lápis descendente tem sua ponta afiada no limite de uma enorme boca aberta com dentes em lança.
A boca está rasgada.
Quando a briga atinge o ápice, no portão de entrada surge um casal. Vestem-se anos trinta e mostram-se diretores do lugar. Também discutem, entretanto, utilizando tal idioma que parece ser uma mistura de espanhol com latim e sânscrito. Brigam como se entoassem cânticos religiosos nórdicos, mas não aparentam perceber que há um casal parado na frente do muro boas vindas.
Nesse momento um terceiro casal chega e entra pelos portões. Ambos vestem-se como pastoras bolivianas e conversam em latim. Olham os recém chegados e sorriem um cinismo de terça-feira.
Os diretores cessam a briga e trancam os portões. Parecidos com placas de tipografia gráfica, se pode ver serifas nos sintagmas formados pelos éles e emes. Existem hastes semelhantes a exclamações e chanfros que formam espaços em branco aparentando um ainda de tinta nos cantos. Permanecem desavisados da presença do casal novidade e vão embora.
Retornam minutos depois.
O marido, amante da modelo ruiva no panfleto, os percebe diferentes e comenta com a esposa que provavelmente transaram. A esposa permanece incrédula. Ele então se apresenta e troca uma série de frases desconexas com diretora do centro e tem suas suspeitas confirmadas; resolveram a briga com sexo.
O diretor junta-se ao dois que conversavam, beija sua esposa. Ela sai em direção a um espaço na entrada do centro que muito lembra uma cozinha em formato arquitetônico chamado "estilo aberto"; cores terrosas e tons achocolatados. O homem diz de forma inaudível que precisa sair procurar uma coisa.
Sai.
Quando volta traz consigo um cachorro da raça pequinês meio velho e manco, apresentado como animal de estimação do casal. O cão um tanto quanto antipático sem querer muita conversa mede o marido frequentador das lojas de cima abaixo. Funga e vai embora.
A diretora desta vez retorna da cozinha com uma bandeja de chocolates. Lascas de uma barra muito maior que está na bancada. Adornados em confeitos de brigadeiro ou algo que remotamente lembram castanhas, porém de forma semelhante a cristais naftalinescos.
Ela explica; por conta da plantação de cacau que possuem são capazes de fabricar as iguarias e pretendem lançar uma produção maior, tornando-a empreendimento de sucesso. Mostra a embalagem de alcunha simples e lhes oferece mais pedaços.
Pede opiniões sobre o marketing e os artefatos de armazenamento.
O casal em luto, come. O chocolate tem um gosto estranho, porém é uma delícia. Não sabem dizer do que é feito, pois o chocolate tem uma memória esparsa e um entorno mais denso. A esposa produtora do centro insiste querer mais opiniões. Empurra mais pedaços aos visitantes.
O chocolate continua maravilhoso, porém, cada vez mais parecido com uma goma látex que aos poucos modifica suas tonalidades de cor e textura.