Conheci F. no segundo ano da faculdade.

Era como eu, quieta. Pelos cantos em festas ao mesmo tempo repetidamente disposta ao sorriso. Estava um ano à frente. Sempre que me encontrava dizia oi. F. tinha um Uno cinza. Talvez seja daí que retirei as cores para o livro de poesia e não da cidade de São Paulo.

O carro era bagunçado como qualquer estudante, ao mesmo tempo residia uma melancolia expelida pela pele das portas nos dias de maior calor em Marília.

F. era monitora de anatomia como eu. Nos encontrávamos nos intervalos entre as turmas pois éramos escalados em cursos distintos; ela fisioterapia, eu odonto. Não fazia odonto, mas ela fazia fisioterapia.

Um dia F. me encontrou no Alquimia, bar de roque na cidade onde bandas da região se apresentavam e eu trabalhava. Nos beijamos. Nos beijamos de novo. Era uma sexta feira. Eu voltei pra casa feliz. F. voltou de Uno cinza.

No sábado, revemo-nos.

Beijamo-nos novamente.

Estávamos na casa de F. Ela morava sozinha. Línguas futuristas russas. Cimento liso, lindo e reto. Eu amava. F. me apertava descomunalmente forte. Por vezes pensei que iria me enforcar. Não me importava. Tiramos a camiseta. Eu semi nu, F. de faixa. Nos beijamos mais. Fui às calças. Fomos. Quando do último suspiro das roupas íntimas F. me pede algo. Mesmo que soasse como uma repulsa, como uma negação, como uma recusa, atendi fervorosamente. Passamos um bom tempo nos esfregando. Como se fôssemos feitos de enrosco. Apenas pele recoberta por algodão. Tudo tão contido, tão repleto de tensão e tão tesudamente delicado. Quanto mais nos entregávamos ao atrito, mais saliva trocávamos. Beijos joy division. Beijos umidificadores ao ponto de nadarmos em um deserto no meio da noite. Me apaixonei perdidamente por F.. Quando terminamos tinha os olhos cheios. Também chorei.

Ficamos em silêncio por horas. Assentamos. Amanhecemos na sacada com pés enrolados e trocando confidências. Em uma delas F. disse que a gente não poderia mais se ver. Não do jeito que nos vimos naquele dia. Disse que tinha as respostas e ficou feliz por ter me escolhido como pessoa a passar com ela essa decisão. F. me deixou na porta de casa, me beijou demoradamente e saiu de Uno cinza. Demorei alguns dias para apenas marejar como estou agora.

F. duas semanas depois largou a faculdade. Deixou uma carta que dizia

vai viver tudo o que você quiser ser. seja livre.

Desaparecida permaneceu, até semana retrasada.